março de 2019
Lembro de um dia enquanto fazia a faculdade de pedagogia, na disciplina de alfabetização, para atividade introdutória a professora pediu que escrevêssemos um texto narrando sobre nossa memória mais antiga sobre nossa própria alfabetização. Para mim essa atividade foi marcante porque me ajudou a pensar nessa questão da educação de qualidade. Eu lembro de quando fui alfabetizado pela minha mãe, morando em uma aldeia no interior de Angola, era o ano de 1994, eu tinha sete anos de idade, não havia uma escola formal, por isso minha mãe me ensinou a escrever e a ler em casa. Quando eu saísse com outras crianças para brincar eu ensinava para elas o que tinha aprendido, acho que foi ali que as sementes para o professorado foram plantadas em meu coração.
Em 1997 nos mudamos para a cidade então comecei formalmente os meus estudos. A socialização e a oportunidade de aprender coisas novas foi realmente uma grande mudança na minha vida, tenho boas lembranças dos meus primeiros anos de escolaridade, até hoje me recordo de algumas vezes em que era mencionado como o melhor aluno, estava atrasado, mas estava motivado. Sabia que uma boa formação era tudo que a minha mãe queria pra mim e ela estava dando o sangue para que eu a tivesse, então dava o meu melhor.
Havia um problema, a estrutura era precária. Cada uma das crianças precisava trazer o seu banco de casa para ter onde se sentar, a maior parte das crianças tinha de se sentar em latas, e os professores providenciavam o material na maioria das vezes.
Alguns anos depois, eu fui para a escola de formação de professores e me tornei um professor, vi a história a se repetir; a maioria dos meus alunos tinha de suportar o mesmo processo humilhante, assim mais uma geração passou sem o mais básico de infraestrutura.
Embora tenham passado poucos anos, eu me perguntava constantemente. Como é possível que haja uma transição de geração, mas a infraestrutura das escolas não melhora? Não era suposto a educação ser sinônimo de progresso? Qual era o papel da educação que estávamos recebendo?
Estima-se que 95 milhões de crianças na África subsaariana frequentam a escola sem o benefício de uma mesa na sala de aula. Em países subdesenvolvidos, comunidades e aldeias, as crianças continuam a sofrer a opressão por não terem a oportunidade de receber uma educação básica de qualidade.
Qual é a mensagem que estamos a deixar para os nossos filhos? Que eles não são dignos de uma infraestrutura básica e simples. Que não podem se permitir a liberdade de sonhar com uma melhor forma de aprendizado, e um modo de vida melhor? Certamente, não podemos aceitar que seja assim! É hora de dizer basta! É tempo de desenvolvermos uma liderança decisiva e fazermos alguma coisa.
James D. Wolfensohn, ex-presidente do Banco Mundial disse que o único meio eficaz de quebrar o ciclo da pobreza é através da educação – Concordo plenamente com ele.
Por não investir em soluções imediatas e inovadoras na educação básica não estamos oferecendo às nossas crianças, nada diferente do que eu experimentei quando criança há décadas atrás; estamos simplesmente a entrincheirar a pobreza.
Nós somos capazes de fazer muito mais! Não podemos mais aceitar que a experiência educacional das nossas crianças seja prejudicada pela falta de uma infraestrutura educacional básica – uma mesa, uma sala de aulas adequada – estes materiais básicos tão importantes para o seu desenvolvimento cognitivo, para a sua alfabetização e rendimento acadêmico.
Por isso eu não poupo esforços em todas as ações de impacto social que me envolvo, especialmente as de cunho educacional. Estes projetos são como uma resposta a um desafio que afeta desproporcionalmente as crianças africanas. A construção destas escola é muito mais do que mera infra-estrutura; o que estas escolas oferecem às crianças é um senso de dignidade e uma mensagem que diz que: “Este é um investimento em você. Reconhecemos o seu potencial. Você pode usá-lo, porque você é alguém”.
Todas as crianças em todos os lugares do mundo merecem uma educação de qualidade e este é um dos seus direitos humanos fundamentais. A capacidade de ler e escrever; estabelecer bases para um futuro sem pobreza, fome ou doença. Nosso futuro e o sucesso das gerações futuras dependem disso. Eu sou testemunha de como uma educação de qualidade nas mãos de uma criança é um passo significativo para esse futuro.
Estes desafios são intransponíveis? Não. Para a maioria das pessoas, uma criança é uma gota no oceano, quando sabemos que ainda existem milhões que passam por necessidade. Eu não vejo dessa forma. Vejo uma criança tão importante como todos os outros milhões, e quando cada criança é tratada como um indivíduo, reconhece-se que ele ou ela conta no mundo, e, em seguida, essas gotas se tornam um rio, um lago, um oceano.
Se cada um de nós fizer um pouco de bem partindo de onde está, aqueles pequenos pedaços de bem poderão servir para colorir o mundo oprimido – entendo que cada um de nós terá realmente feito um bem para a humanidade, e deixado aos nossos filhos um caminho em direção à grandeza!
Ernesto Feliciano, angolano nascido na cidade do Kuito-Angola, graduado em história e cultura africana e Afrobrasileira. Ama mochilar, ensinar e ajudar pessoas. Na junção de tudo isso encontra o seu propósito de vida.